História e Tradição
As rendas da Ilha do Pico têm raízes profundas na história e na cultura local. Esta tradição artesanal não só desempenhou um papel fundamental na vida das mulheres da ilha, mas também foi uma importante fonte de rendimento para muitas famílias ao longo dos séculos. A arte de fazer rendas, com as suas técnicas detalhadas e delicadas, passou de geração em geração, perpetuando-se até aos dias de hoje, e preservando um legado cultural que continua a ser motivo de orgulho para a comunidade.


A História das Rendas
A produção de rendas no Pico remonta a várias gerações, e o seu surgimento está diretamente ligado à necessidade de as mulheres encontrarem formas de contribuir economicamente para as suas famílias. Inicialmente, a produção artesanal de rendas era uma atividade exclusivamente doméstica, realizada no ambiente familiar, onde as mulheres transmitiam os conhecimentos às suas filhas e netas. Essa tradição foi formalizada durante o século XIX, quando a imigração açoriana para os Estados Unidos trouxe de volta técnicas mais refinadas de produção de rendas, adaptadas às condições locais.
Durante o século XX, a prática das rendas foi essencial para a economia local. As rendeiras começaram a colaborar com comerciantes, que promoviam a exportação das rendas para mercados internacionais. A habilidade de criar peças delicadas e únicas, frequentemente decoradas com motivos florais e geométricos, tornou-se uma característica distintiva das rendeiras do Pico.
PRIMEIRA MULHER EMPRESÁRIA DA ILHA DO PICO
ROSA GARCIA

Com 20 anos foi a primeira mulher empresária na ilha do Pico, com a venda de renda de farpa.
Nessa altura foi aconselhada a inscrever-se como empresária na Câmara de Comércio e Indústria da Horta, pelo seu elevado número de vendas.
Rosa Garcia é o símbolo da emancipação feminina na ilha do Pico, através da comercialização da renda e do incentivo dedicado à formação, especialmente, e ao incremento económico de muitas famílias da ilha.
A Primeira Profissão Feminina nos Açores
(Mestras Tecedeiras)
No século XVII, a tecelagem foi reconhecida como a primeira profissão feminina nos Açores.
As mulheres que praticavam esta arte eram conhecidas como “mestras tecedeiras” e desempenhavam um papel central na produção de tecidos, utilizando linho cultivado localmente. Esse reconhecimento formal permitiu que as mulheres tivessem uma posição de destaque na economia rural, e a tecelagem tornou-se uma das profissões mais respeitadas. O controle desta atividade estava nas mãos das câmaras municipais, que regulamentavam e autorizavam as práticas das tecedeiras.
Este trabalho era vital para a produção de vestuário e outros artigos de tecido, e foi a partir desta prática que a tradição das rendas se desenvolveu. As “mestras” eram responsáveis por ensinar as técnicas de tecelagem e renda às gerações mais jovens, mantendo viva a tradição. O trabalho das mestras tecedeiras lançou as bases para a inserção das mulheres no mercado de trabalho artesanal, uma realidade que se consolidaria nos séculos seguintes com o desenvolvimento de outras formas de artesanato.
Nome da Rendeira | Localidade | Especialidade | Geração | Década de Referência | Técnica Principal | Produtos Famosos |
Rosa Garcia (Rosa da Ponte) | São Mateus | Comercialização | 1ª | 1890-1920 | Farpa | Organizou produção |
Maria Adelaide | Calheta de Nesquim | Tecelagem | 1ª | 1880-1910 | Tecelagem | Mantas e Meias |
Goretti da Maria do Bezerra | Calheta de Nesquim | Renda de Gancho | 2ª | 1940-1970 | Farpa | Peças decorativas |
Cecília Dias de Melo | Calheta de Nesquim | Renda de Gancho | 2ª | 1890-1920 | Farpa | Primeira geração de rendas de gancho |
Jesuína Margarida Garcia de Lemos | São Mateus | Renda de Gancho | 2ª | 1900-1930 | Farpa | Colchas e peças decorativas |
Maria Zulmira Raimundo de Lemos | São João | Renda de Gancho | 2ª | 1900-1930 | Farpa | Colchas e toalhas |
Maria Adelaide da Silva | São Mateus | Renda de Farpa | 2ª | 1900-1930 | Farpa | Toalhas e peças pequenas |
Clara Lemos Faria | São João | Renda de Farpa | 2ª | 1900-1930 | Farpa | Toalhas e colchas |
Teresa Perdigão | Lajes do Pico | Renda de Agulha | 2ª | 1910-1940 | Agulha | Panos de mesa |
Maria Lucília | São Mateus | Croché de Farpa | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Colchas, Toalhas |
Norberta Amorim | Piedade | Renda de Bilros | 3ª | 1940-1970 | Bilros | Toalhas de mesa |
Silvina Garcia | Madalena | Renda de Gancho | 3ª | 1940-1970 | Gancho | Toalhas e Naperons |
Fátima Azevedo | São Caetano | Renda de Gancho | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Tapetes |
Maria Conceição Goulart | São Caetano | Renda de Gancho | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Tapetes |
Alice Costa Machado | São Mateus | Renda de Gancho | 3ª | 1940-1970 | Gancho | Tapetes e Amorinhas |
Liduína da Glória Ávila | São Mateus | Renda de Farpa | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Colchas e toalhas |
Teresa Margarida | São Mateus | Renda de Farpa | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Toalhas e colchas |
Maria de Jesus Matos | São Mateus | Renda de Farpa | 3ª | 1940-1970 | Farpa | Colchas e Tapetes |
Noélia | São Mateus | Renda de Gancho | 3ª | 1940-1970 | Gancho | Amorinhas e Margaridas |
Maria da Olívia | São Caetano | … | … | … | … | … |
Maria do Ernesto | Candelária | … | … | … | … | … |
Mariazinha do Franklim | Candelária | … | … | … | … | … |
Maria Isilda | Candelária | … | … | … | … | … |
Maria Isilda do Ernesto | Candelária | … | … | … | … | … |
Mãe da Judite | Candelária | … | … | … | … | … |
Esposa do João Lino | Candelária | … | … | … | … | … |
Telma | Candelária | … | … | … | … | … |
Filhas da Francisca Ferreira | Mirateca | … | … | … | … | … |
Maria do Gonçalves | São Mateus | … | … | … | … | … |
Adelina | São Mateus | … | … | … | … | … |
Maria Palmira | São Mateus | … | … | … | … | … |
As “Mudas” | São Mateus | … | … | … | … | … |
Hélia | São Mateus | … | … | … | … | … |
Telma | São Mateus | … | … | … | … | … |
Hélia | São Mateus | … | … | … | … | … |
Regina | São Mateus | … | … | … | … | … |
Hortência | São Mateus | … | … | … | … | … |
Maria Leonor | São Mateus | … | … | … | … | … |
Influência dos Conventos nos Bordados (Séculos XVII e XVIII)
Os conventos femininos desempenharam um papel crucial na preservação e disseminação das artes manuais, incluindo os bordados e as rendas, entre os séculos XVII e XVIII. Nos Açores, os conventos, como o da Glória, em Angra do Heroísmo, funcionavam como centros de aprendizagem para as jovens de famílias nobres. Lá, as mulheres eram educadas em várias disciplinas, entre as quais o trabalho de bordado e a confecção de rendas. O resultado foi uma combinação de arte sacra e utilitária, que influenciou profundamente a estética dos bordados tradicionais.


Os motivos religiosos presentes nos trabalhos das freiras influenciaram a produção secular de rendas, com temas florais e geométricos a dominar o estilo. Essas práticas continuaram fora dos muros dos conventos, com as rendas e bordados sendo adaptados para uso quotidiano, mas mantendo a sofisticação e o detalhe que lhes haviam sido ensinados.
A Evolução das Rendas no Pico (Séculos XIX e XX)
Durante os séculos XIX e XX, a produção de rendas no Pico passou por uma evolução significativa. A introdução de novas técnicas, trazidas pela imigração para os Estados Unidos e Canadá, resultou num aprimoramento da qualidade das rendas locais. Este período foi marcado por um aumento na demanda por produtos artesanais, com as rendas sendo amplamente apreciadas não só localmente, mas também em mercados internacionais.

No século XX, especialmente durante as décadas de 1940 a 1960, a indústria das rendas no Pico atingiu o seu auge. Mais de 500 mulheres dedicavam-se exclusivamente à produção de rendas, que se tornaram uma das principais exportações da ilha. As rendeiras trabalhavam nas suas casas ou em pequenas oficinas, utilizando ferramentas simples, mas com uma habilidade extraordinária. O rendimento obtido com a venda das rendas ajudava a sustentar famílias inteiras, especialmente em tempos de crise económica e agrícola.
O século XX trouxe ainda o desafio da modernização, com a introdução de máquinas de costura e a competição de produtos industrializados. No entanto, as rendas do Pico continuaram a ser valorizadas pela sua autenticidade e pelo trabalho manual envolvido. Hoje, esta tradição artesanal é preservada como parte do património cultural da ilha, com esforços contínuos para revitalizar a prática e promover as rendas do Pico como um símbolo de identidade e resiliência.
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